O 17º encontro da cúpula do BRICS, que acontece no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho, durante a presidência brasileira do bloco, deve discutir a regulamentação da inteligência artificial (IA) e a soberania digital dos países do Sul Global.
O BRICS é um bloco de cooperação econômica que reúne representantes de 11 países-membros permanentes: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. Também participam do encontro os países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia, Nigéria, Vietnã e Uzbequistão.
Neste ano, o Brasil preside o bloco e está em negociações avançadas para fechar três declarações com temas vistos como prioritários pelo governo federal. Entre elas, está o tratamento de dados e governança da IA.
O que pode ser discutido?
O debate sobre inteligência artificial pode focar no uso de dados como um bem de valor econômico, observam analistas políticos. O governo brasileiro defende que é preciso haver regras globais para o uso da IA.
No Brasil, o projeto que busca regulamentar a inteligência artificial foi aprovado pelo Senado em novembro de 2024 e agora está sendo analisado pela Câmara dos Deputados.
Em entrevista ao Portal iG, o especialista em tecnologia e CEO da Base39, Bruno Nunes, observa que os governantes podem criar estratégias coordenadas para integrar a IA na melhoria de serviços e na competitividade da economia.
“Por exemplo, é possível implantar IA para otimizar serviços públicos: sistemas inteligentes que antecipem necessidades na saúde ou educação, tornando o atendimento ao cidadão mais ágil e personalizado. O Brasil mesmo já planeja iniciativas assim, incluindo até uma nuvem soberana de dados públicos para garantir segurança e privacidade enquanto a IA turbina a eficiência governamental”, comenta.
Desenvolvimento econômico brasileiro

Para o especialista, políticas conjuntas podem impulsionar o uso das IAs na indústria e no agronegócio, ajudando a automatizar processos e antecipar problemas logísticos através de investimentos em capacitação e infraestrutura.
“Minha sugestão seria debater a criação de um programa conjunto de investimento em IA. Países do Sul Global precisam unir forças, criar fundos comuns e recursos compartilhados para pesquisa e desenvolvimento em IA, além de facilitar a transferência de tecnologia entre si. Isso pode se traduzir em laboratórios conjuntos, intercâmbio de cientistas, e startups dos BRICS colaborando em inovação”, sugere Nunes.
No agronegócio, por exemplo, já é comum o uso de algoritmos que analisam dados de clima, solo e imagens de satélite para ajudar o produtor a decidir o melhor momento para plantar e colher.
Nunes explica ao iG que também já estão em uso drones inteligentes que monitoram lavouras em busca de pragas ou sinais de estresse hídrico, além de máquinas autônomas que aplicam insumos com alta precisão. Essas tecnologias trazem ganhos significativos de eficiência no campo.
Soberania digital
Na esteira da inteligência artificial, a presidência brasileira no BRICS pretende discutir a capacidade dos países do Sul Global de controlar seus próprios dados. A soberania digital trata ainda de se manter uma própria infraestrutura digital, com algoritmos e desenvolvimento tecnológico livres das Big Techs.
Milena Correia, especialista em Propriedade Intelectual e Direito Empresarial, e sócia do escritório Correia & Vieira de Carvalho Advogados Associados, explicou ao iG que, no contexto do BRICS, a soberania digital está ligada à redução da dependência de empresas e tecnologias estrangeiras. Isso envolve garantir maior autonomia, especialmente na proteção de dados pessoais e sensíveis.
Ela observa que entre os assuntos sobre o tema que podem ser discutidos estão: um investimento conjunto em centros de pesquisa em IA; criação de padrões regulatórios próprios, alinhados à realidade do BRICS; e parcerias para tradução e adaptação de modelos de IA respeitando a diversidade local.
Sustentabilidade
Além do desenvolvimento em tecnologias, a questão climática também pode ser tema das reuniões da cúpula do BRICS. Correia acredita que é possível alinhar as duas pautas, embora ainda estejamos entendendo quais são os impactos e gastos das IAs.
“Acho que é possível e necessário que se alinhe um desenvolvimento sustentável, já que retroagir a essas tecnologias não é uma opção. Pensando em como isso se daria, acho que a inteligência artificial pode ser uma aliada como por exemplo no monitoramento ambiental, desmatamento, poluição, entre outros”, observa a especialista.
Bruno Nunes relata que o Brasil está ligando seu desenvolvimento de IA a energias renováveis, criando datacenters verdes para alinhar tecnologia e sustentabilidade. “Podemos aproveitar a IA generativa para alavancar o crescimento e cumprir metas climáticas ao mesmo tempo – basta incorporar critérios ambientais desde o início”, diz.
Nunes acredita que com políticas bem definidas — como incentivos fiscais para tecnologias sustentáveis, regras para emissões digitais e metas de eficiência — é possível avançar na revolução da inteligência artificial sem causar grandes impactos ao meio ambiente.
“Se conseguirmos articular uma frente unida, os países emergentes podem ditar seus próprios caminhos, aproveitando a inteligência artificial para dar um salto no desenvolvimento”, finaliza.
Já Milena Correia torce para o BRICS “avance e se fortaleça frente ao domínio, muitas vezes abusivo, das Big Techs que monopolizam hoje o mercado”.