O horário de verão, uma estratégia que divide opiniões, poderá voltar a ser adotado no Brasil.
A estratégia, que vinha sendo adotada anualmente desde 1985 e foi suspensa em 2019, pelo governo Jair Bolsonaro (PL), basicamente consiste em adiantar os relógios em uma hora, resultando em um maior aproveitamento da luz do dia.
Essa é uma das medidas alternativas apontadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para resolver a degradação da capacidade de atender à demanda de energia elétrica no horário de pico.
A indicação consta no Plano da Operação Energética (PEN) para o período entre 2025 e 2029, divulgados pelo ONS nesta terça-feira (18). Trata-se do planejamento da operação para o sistema elétrico brasileiro para os próximos cinco anos,
De acordo com o documento, a adoção do horário de verão pode se tornar “imprescindível” caso as condições de suprimento não melhorem nos próximos meses.
A medida volta a ser discutida não por sua eficácia para economizar energia, mas por ser uma alternativa de aproveitamento da geração de energia solar, reduzindo o acionamento de termelétricas – mais caras e poluentes.
Desafios a curto prazo
O PEN aponta desafios já de curto prazo para atender à demanda no início da noite.
A preocupação com o suprimento de potência no horário de ponta ou horário de pico já vem crescendo nos últimos anos, com o aumento da oferta de energia solar.
Durante o período seco de 2025, diz, todos os cenários indicam a necessidade de despacho de usinas térmicas, além daquelas que não podem ser desligadas por inflexibilidade.
Segundo o documento, diante do cenário atual, haverá necessidade de preparar o sistema para elevados montantes de despacho termelétrico no segundo semestre para o atendimento de potência sob o ponto de vista conjuntural, principalmente a partir de outubro deste ano.
Afirma ainda que uma das alternativas para enfrentar o problema, a contratação de capacidade adicional de energia de reserva, seria resolvida por leilão anunciado pelo governo em 2024, mas a concorrência foi cancelada após questionamentos judiciais por parte de segmentos não atendidos pelo edital.
Sem o leilão, além do uso de térmicas, o ONS diz que os cenários indicam a necessidade de utilização da reserva operativa, um volume mínimo de energia armazenada nas hidrelétricas para controlar a frequência do sistema elétrico em caso de perda de unidades geradoras.
Entre outros pontos, o PEN sugere a antecipação da entrada de térmicas contratadas em 2021 com início de operações em 2026, a preservação de recursos hídricos para o período seco e a indicação de obras e ações para melhorar o suprimento no segundo semestre.
Intensificação do problema a médio prazo
O documento aponta que a geração de energia no país cresceu, puxada principalmente pelas fontes de energia intermitentes, como a eólica, solar e a MMGD (mini e microgeração distribuída solar).
O problema é que essas últimas duas praticamente não produzem energia no horário noturno, quando há maior necessidade de potência.
Para os próximos anos, é estimado um acréscimo de 36 Giga Watts (GW) de capacidade instalada, em relação ao gerado em dezembro de 2024, totalizando 268 GW até 2029.
A MMGD, em conjunto com fonte solar, corresponderá a 32,9% da matriz elétrica em 2029, fazendo com que a fonte solar seja a segunda maior em termos de capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Desafios técnicos
Em entrevista ao Portal iG, Natália Moura de Oliveira, analista de energia da ABRACE, associação que representa os grandes consumidores de energia, afirmou que o fato de o Brasil possuir uma matriz energética renovável é uma vantagem, mas também traz desafios técnicos para o ONS.
“E essa matriz, está ficando mais renovável. Nos últimos 10 anos, houve um crescimento exponencial da participação de usinas eólicas e usinas solares. O desafio é que o operador, não consegue controlar o momento que essas fontes vão gerar energia. Elas são, no que se fala no jargão do setor, fontes não despacháveis. Gera energia quando tem sol, quando tem vento”, explica.
Por isso mesmo, segundo ela, nos últimos anos, o ONS tem enfrentado um enorme desafio por volta das 18 horas, horário de pico.
“Cinco e pouco, seis horas, que é o horário que o sol se põe, é quando o sistema elétrico para de contar com essa fonte de geração e o operador precisa substituir por outra”, acrescenta.
Dentro do cenário, Natália enfatiza que é necessário considerar uma característica técnica importante do setor, que é o fato de não ser possível armazenar energia elétrica em grande escala para suprir um pedaço da demanda.
O custo das termelétricas
Mais caras e mais poluentes, as termelétricas, assim como o horário de verão, também está no radar do ONS.
A analista de energia da Abrace explica que é mais poluente, porque, tecnicamente, uma termelétrica gera eletricidade queimando algum combustível, seja ele carvão, gás natural, óleo.
“A depender do tipo de combustível pode poluir mais ou menos, mas vai poluir mais do que uma hidrelétrica, ou do que uma solar, ou uma eólica”, compara.
No entanto, ela ressalta que essas termelétricas agregam um atributo para o sistema que as renováveis não conseguem, que é suprir a ponta do sistema.
“A eólica até consegue contribuir um pouco, mas a solar tem essa restrição muito fixa do sol. Tem o horário dela, até 18 horas. Então há de haver um cuidado para não demonizar a térmica, que, afinal de contas está suprindo um papel importante para o sistema. Ela é mais cara e poluente, porém é necessária”, ressalta.
Sobre o impacto desse tipo de energia no bolso do consumidor, ela acrescenta que é cedo para estimativas.
“Antes, seria necessário verificar a dimensão do quanto o operador vai usar esse despacho de termelétrica. A ONS tem a sua disposição uma série de recursos para atender a ponta, não é só o despacho de termelétricas. Vai depender de como o operador vai usar todos os recursos que tem à disposição. E esse cenário ainda não está bem fechado”, avalia.
Horário de verão: alternativa interessante
Entre os recuros disponíveis para suprir a demanda instantânea do sistema elétrico e garantir equilíbrio entre oferta e demanda, Natália aponta, além do acionamento de térmica, a reserva operativa das hidrelétricas.
“Tem também a possibilidade de resposta da demanda, que é quando consumidores grandes, voluntariamente, reduzem o seu consumo nos momentos de maior estresse do sistema para contribuir com o atendimento a ponta. Em troca disso, eles recebem uma remuneração”, detalha.
E outro recurso possível seria o horário de verão.
“O horário de verão é interessante para o contexto que o Brasil tem agora, porque ele antecipa o início do pico do consumo do residencial, que começa a aumentar a partir de seis horas da tarde, para quando ainda tem há disponibilidade da fonte solar.”, avalia.
Ainda de acordo com o texto do PEN 2025, a adoção do horário de verão poderá ser recomendada, mas dependerá das projeções de atendimento dos próximos meses.
A decisão final sobre a volta do horário de verão caberia ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).