O setor agropecuário brasileiro está em estado de alerta máximo com a iminência da aplicação de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos nacionais, que entram em vigor a partir de 1º de agosto. De acordo com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), as novas taxas, que se somam a uma tarifa anterior de 10%, podem gerar impactos financeiros e inflacionários “assustadores” para diversas cadeias produtivas.
Em reunião-almoço realizada nesta terça-feira (15), parlamentares que integram a Frente se reuniram com representantes de entidades do setor produtivo para discutir os impactos do novo pacote tarifário imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Segundo o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP), é “realmente assustador” os impactos previstos para o setor.
“Faltam apenas duas semanas para que as tarifas comecem a valer. O ideal seria que o governo se movimentasse com a mesma intensidade que temos adotado aqui no Congresso”, cobrou Lupion.
Segundo ele, a bancada já atua em articulação com diplomatas, especialistas em comércio exterior e representantes das cadeias produtivas, tanto no Brasil quanto nos EUA, para tentar reverter o cenário.
De acordo com a FPA, os impactos das tarifas são vastos e preocupam diversos setores da economia brasileira. Entre as cadeias produtivas diretamente afetadas estão carne bovina, celulose, açúcar, etanol, cacau, pescados, ovos, suco de laranja e café. Além disso, o setor salineiro, que exporta cerca de 50% de sua produção para os EUA, também enfrenta grande risco.
No setor industrial, o impacto das tarifas é ainda mais delicado porque muitos produtos brasileiros fazem parte de cadeias globais de valor, ou seja, dependem de uma rede internacional de produção, distribuição e comercialização extremamente integrada.
Para que um produto seja exportado, especialmente no caso de itens de maior valor agregado, é necessário atender a uma série de exigências técnicas e certificações específicas, que variam de país para país.
Essas exigências não podem ser adaptadas de forma imediata. Se os Estados Unidos impõem barreiras comerciais, o Brasil não consegue redirecionar sua produção industrial para outro mercado imediatamente. Isso exige adequações técnicas, novos acordos comerciais e um reposicionamento logístico que demanda tempo, investimento e articulação diplomática.
Por isso, o efeito das tarifas é mais profundo nesse segmento, uma vez que paralisa fábricas, compromete contratos, desorganiza cadeias de fornecimento, afeta empregos e dispõe de pouca margem de reação no curto prazo.
O Brasil, ao longo de décadas, tem trabalhado na diversificação de suas exportações. Há 20 anos, os EUA representavam 25% das exportações brasileiras; hoje, esse percentual caiu para cerca de 10% a 12%, o que significa que o impacto atual, embora grave, seria o dobro se acontecesse no passado. No entanto, a diversificação é um processo lento e não imediato.
Imprevisibilidade de Trump
Com apenas duas semanas até a aplicação das tarifas, o tempo para negociação é considerado “muito pouco”. Na reunião desta terça-feira, parlamentares e especialistas destacaram que a situação atual é “sem precedentes” devido à grande imprevisibilidade e ao fato de a decisão depender basicamente de Trump, sem a mesma relevância de instituições como o Departamento de Comércio ou Tesouro americano, como em contenciosos comerciais anteriores.
“A imprevisibilidade é muito grande e o fato de que a decisão depende basicamente do Trump. Um diplomata americano disse: ‘Só Trump sabe e às vezes nem ele sabe. Porque na verdade houve muitas idas e vindas ao longo desse ano. No Brasil menos, mas nós temos que lembrar quantas vezes houveram ameaças contra o Canadá, depois Trump voltou atrás e, agora, tem uma nova ameaça. A mesma coisa o México, a União Europeia, a China. Então, isso tem acontecido muito desde o começo do ano e é muito imprevisível”, destacou o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
De acordo com Barral o mercado financeiro americano aposta na chamada hipótese “Trump always backs out”, que significa Trump sempre recua no final. Esse fator explica o porquê dos títulos americanos não terem caíram tanto como caíram em abril, quando o presidente dos EUA anciou taxação de até 70% para alguns setores que, ao final, não foram aplicada.
“O mercado financeiro espera que, se forem aplicadas tarifas, não seria em um patamar tão alto, mas é muito imprevisível”, ressaltou o ex-secretário.
Mesmo com a possibilidade de recuo, o governo brasileiro criou um comitê para coordenar os esforços e se aproximou do setor produtivo, algo visto como importante, dado que a articulação anterior para a tarifa de 10% foi insuficiente. “Toda ajuda agora é extremamente importante para a gente vencer mais esse desafio”, disse o presidente da FPA.
Brasil precisa ser cauteloso
Barral explicou que a resposta brasileira às taxas impostas pelo EUA é uma questão complexa. O Brasil tem dificuldade em retaliar importações norte-americanas porque a maioria consiste em insumos, máquinas, equipamentos e derivados de petróleo, essenciais para a indústria nacional, e uma retaliação generalizada puniria a própria economia brasileira.
No entanto, são consideradas algumas possibilidades, como retaliações pontuais contra produtos específicos, como tipos de uísque, ou fábricas localizadas em redutos de líderes republicanos, visando criar “irritantes” na negociação. A aplicação da Lei da Reciprocidade também pode ser uma alternativa, vista como uma “ferramenta poderosa”, pois o Brasil possui um grande déficit de serviços e propriedade intelectual com os EUA.
“O Brasil tem um déficit com os Estados Unidos, então esse é um elemento de negociação e até argumento jurídico de que não, o Brasil não contribui pro déficit no banco comercial americano. Ao contrário eles têm um superf há mais de 15 anos com o Brasil”, detalhou Barral.
A ameaça de quebra de patentes, por exemplo, já levou a negociações bem-sucedidas no passado, como no caso do algodão em 2009. Por outro lado, a FPA enxerga com preocupação essa possibilidade, já que, na carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Trump alertou que, caso o Brasil responda à ofensiva taxando produtos norte-americanos, a porcentagem imposta pelo governo brasileiro seria acrescida aos 50% anunciados pelos EUA.
“Temos que estancar e vencer toda a possibilidade de negociação antes da aplicação da Lei. Ela tem implicações extremamente severas, principalmente nas questões de propriedade intelectual de royalties e de patentes. Essa é, sem dúvida, a última instância, quando não há mais nenhum tipo de diálogo”, acrescentou o presidente da FPA.