O Tarancón, grupo de música latino-americana, está comemorando 50 anos.
No domingo (16/11) se apresentará, às 16 horas, no Sesc Casa Verde com um show gratuito.
A história do grupo é bastante rica. Começa nos anos anos 70, com sua criação, e chega até os dias de hoje, passando pelo Festival dos Festivais, época em que rivalizava com Raíces de América.
Não há como falar de música latina no Brasil, sem citar essas duas bandas.
Para sabermos um pouco da história do Tarancón, entrevistamos Emilio Ballenilla, um espanhol que vive no Brasil desde a adolescência.
Ele foi um dos fundadores do grupo e hoje continua liderando a trupe. Confira.
Bate-papo
Como surgiu o Tarancón e quem foram seus fundadores?
Um amigo que foi para o Chile, em 1972, na época da efervescência do governo de Salvador Allende, nos trouxe vários discos dos grupos Inti-Illimani e Quilapayún, de Violeta Parra e Victor Jara.
A partir daí, começamos a ouvir esses trabalhos de música latino-americana em casa.
Nessa época era amigo do Jica Thomé e tinha começado a namorar a Miriam Mirah.
Ela era rápida no violão e acabou tirando várias músicas. Aí pintou uma ideia: por que não mostramos um pouco dessas músicas aqui no Brasil, já que ninguém estava fazendo isso?
Então, assim meio na brincadeira, nos fins de semana na garagem de casa no Cambuci, nos reuníamos os três e ficávamos tocando e cantando essas músicas latinas.
Depois também entraram para o grupo Alice Lumi Satomi, que era amiga da Miriam e já trabalhava com música.
Ela depois foi para o Japão para ser pianista e, quando voltou, foi dar aulas na Universidade da Paraíba, onde montou vários grupos de música étnica.
Entrou também para o grupo a Marli, uma das vozes do disco Gracias a la Vida, que era nossa amiga e hoje mora na Espanha.
Além dela, tivemos o Angel, seu marido, o Manolo, que também foi pra Espanha.
O primeiro show do Tarancón, articulado pelo Juan Blanco, aconteceu em um clube chamado Centro Asturiano, que ficava na Rua da Figueira.
Depois fizemos um show onde a Miriam estudava, na Escola de Sociologia e Política, local que, pouco depois, seria palco para a primeira apresentação do violonista espanhol Paco de Lucía no Brasil.
Foi assim, meio que brincando, que nasceu o Tarancón e fomos embora para frente.
Nos anos 70, o Brasil estava em plena ditadura militar, período em que muitos artistas foram censurados e até perseguidos pelas forças de repressão. Vocês do Tarancón sofreram algo?
Os shows que fazíamos para estudantes, em faculdades e universidades, eram tranquilos. Mas quando realizávamos temporadas em teatro, tínhamos que mandar as músicas para a censura.
E era comum muitas delas virem proibidas, sendo que algumas a proibição não tinha o menor sentido, mas proibiam.
Lembro de uma música da Violeta Parra que dizia “Ya me voy, ya me voy/ para Bolivia/ Sonaron, sonaron los cascabeles” e que foi proibida sei lá por quem.
Talvez por alguém que não gostava da Bolívia ou não gostava dos cascabeles. Mas era muito comum, inclusive, o Tarancón fazer apresentações para os censores.
Lembro que ia de terno e gravata, acho que depois disso nunca mais usei terno e gravata para tocar.
Era uma situação bem confusa. Havia muitas músicas folclóricas que também eram proibidas. Tivemos shows que foram interrompidos, parados. Tivemos shows com intervenções militares.
Lembro de um show no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, que era a tropa entrando pela frente e a gente saindo pelos fundos, correndo com os instrumentos, batendo nas paredes, e eles entravam de metralhadoras e com tudo.
Em 50 anos o grupo passou por muitas formações musicais. Você poderia destacar alguns dos artistas que pertenceram ou trabalharam com o Tarancón
Muita gente boa passou pelo grupo. Tivemos a Miriam Mirah, o Jica, o Turcão, o Halter Maia, além da Alice Satomi, que é uma grande musicista.
O Carlinhos Antunes passou pelo Tarancón e fez um trabalho bem legal. Em 50 anos é muita gente pra lembrar…
Por aqui passou também a grande cantora Ana Caram, que ficou muito pouco tempo, mas depois tocou com Tom Jobim em Nova York. Fernando Sardo, que é um gênio, um inventor de instrumentos.
Não posso esquecer do José Bolívia, nome artístico do José Ortiz, que me ensinou a tocar quena e zampoña, assim como o argentino Juan Falú, um dos maiores violonistas do mundo, e do escritor Paulo Lins, que participou do Tarancón, no final dos anos 80.
Em 1985, o Tarancón esteve no Festival dos Festivais, da Rede Globo, chegando ao segundo lugar com a música “Mira Ira”. Como foi essa participação para vocês e no que ela repercute até hoje?
Esse festival da Globo era diferente. Participamos de festivais que eram para mostrar o nosso trabalho, não tinham premiações e ninguém concorria.
O Festival dos Festivais era um mata-mata, perdeu estava fora. Nesse molde só fizemos o da Globo.
Nos outros era diferente, cada grupo, cada cantor ou cantora mostrava seu trabalho. Era muito bom, sempre foi gostoso de fazer, tendo muita variedade musical.
Mas, apesar disso, é legal essa pergunta, porque “Mira Ira” está completando 40 anos, sendo uma música que marcou a época dos festivais.
Primeiro, aquele foi o maior festival feito no Brasil, pois teve mais de 48 mil inscrições.
Com “Mira Ira” foi a primeira vez que uma música cantada em tupi-guarani pegou na galera. Todos cantavam o refrão junto com a gente
Quando fizemos o primeiro ensaio no ginásio Ibirapuera, que era passagem de som, o pessoal de lá parou de trabalhar e ficou todo mundo olhando… O César Camargo, que era o diretor do festival, começou a chorar.
A música foi um gol de bicicleta. Era a música favorita, a música que pelo Brasil a fora as pessoas cantavam.
Uma vez encontrei, no lançamento de um livro, um cacique do Xingu falando que eles estavam indo se apresentar na França.
Ele disse que na aldeia todos amavam o Tarancón e que, graças ao trabalho do grupo, estavam podendo ir para fora do Brasil. Isso, para mim, é o maior prêmio que já recebemos até hoje.
Assista Mira Ira no Festival dos festivais:
Como você vê a atual música latina no mundo? O que poderia destacar de novo dessa cena musical?
A música latina no mundo, é evidente, está numa crescente. Temos a música colombiana crescendo, principalmente as mais dançantes, músicas da América Central e de Porto Rico.
Entre os integrantes do grupo, tem gente ouvindo, por exemplo, o Baiana System, um grupo que eu considero bastante.
Como grupos de música latina destaco o Francisco El Hombre, Chico Trujillo, Agarrate Catalina e a cantora Ana Tijoux.
Aqui no Brasil temos o trabalho de Nádia Campos, em Minas Gerais, que une música mineira com música latino-americana, em uma linha, vamos dizer assim, meio taranconiana, seguindo os caminhos da Violeta e tudo mais.
Bônus
Além do show musical, também teremos o lançamento do livro Nada a Declarar, de Jica Thomé, fundador e ex-integrante do Tarancón. A edição é independente com o patrocínio de Sinhuê/Denise.
Esta coluna é um espaço destinado à cultura e músicas latinas. Mais informações sobre esses temas você encontra em www.ondalatina.com.br e no Canal Onda Latina: https://www.youtube.com/@canalondalatina
Assista a interpretação de Boquita de Cereza com o Tarancón:
















