Em 2017, ao estrelar a controvertida montagem carioca de Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Williams (1911-1983), Vera Fischer se viu diante de uma espécie de espelho. Na pele da decadente atriz Alexandra Dal Lago, Fischer pôde ver um reflexo torto, porém bastante contundente de sua própria trajetória, enfrentando fantasmas inerentes à carreira de qualquer atriz veterana: a idade, o preconceito e a imagem que o público faz dela.
Sob a direção de Gilberto Gawronski, a atriz deu mergulho raso nas discussões que tangem a obra inaugural da trajetória de Williams. É surpreendentemente o contrário do que acontece em O Casal Mais Sexy da América, comédia do norte americano Ken Levine, que a atriz estrela ao lado de Leonardo Franco no palco do Teatro Clara Nunes, na Gávea, região sul do Rio de Janeiro.
Sob a direção de Tadeu Aguiar, Fischer dá passo adiante ao olhar sem meias palavras para o processo de envelhecimento em frente às câmeras e, mais importante, para tudo o que envolve o etarismo que, acredita a atriz, é um dos principais culpados por congelar a carreira – essencialmente – de atrizes no audiovisual.
“Eu fiz coisas importantíssimas, mas as pessoas ainda querem discutir minha idade. Eu estou muito bem, me sentindo bem, livre e atuando bem, isso é o que deveria ser importante”, diz lacônica. Em O Casal Mais Sexy da América, Fischer dá vida a Susan White, uma atriz que viveu seu momento de auge ao protagonizar uma série médica e dividir os holofotes com o parceiro de cena, Robert McAllister (Leonardo Franco).
Com o epíteto que dá título à peça, o casal brilhou ao longo da exibição da série, mas cada um foi para um lado e tiveram carreiras desenvolvidas de forma diametralmente oposta. Enquanto McAllister se tornou o rosto de uma rede de hotéis e conseguiu protagonizar filmes, White abocanhou pequenos papéis até viver em uma espécie de ostracismo.
“Ela não é uma fracassada, é uma vítima”, defende Fischer. “O que aconteceu com essa personagem acontece com todos nós. Não são escolhas erradas, é a forma que o mercado vai nos levando”.
Sob a direção de Tadeu Aguiar, a comédia tem como ambiente o quarto de um hotel no qual McAllister e White se reencontram após 30 anos para comparecer ao funeral de um ex-colega de elenco. A dupla discute os escrutínios de Hollywood e o desenvolvimento de suas vidas em um texto que funciona, na visão do diretor, como uma espécie de fábula sobre o próprio mercado brasileiro.
“É uma comédia muito elegante, mas muito cruel também. Ela coloca algumas discussões sobre nosso meio difíceis de digerir, como a forma que os atores são descartáveis, o abuso de poder e o assédio sexual”, explica. A montagem surgiu de um desejo do diretor de seguir trabalhando com Fischer, com quem estabeleceu parceria em Quando eu For Mãe, Quero Amar Desse Jeito, outra comédia, mas desta vez focada no ambiente familiar.
Ao ler O Casal Mais Sexy da América, o diretor achou que poderia render uma boa dobradinha da atriz com outro antigo parceiro, o ator Leonardo Franco, com quem Aguiar trabalhara há pouco tempo, na montagem de “O Incidente”, drama sobre os embates da força policial e da população negra nos Estados Unidos.

Franco se sentiu representado na comédia e aceitou o papel também como forma de avaliar o mercado ao seu redor. Dono do teatro Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro, o ator e diretor vê em O Casal Mais Sexy da América uma relação direta não só com seu ofício, mas também com a vida cotidiana.
“Esses personagens estão falando de nós, artistas, trabalhadores da cultura, mas também de qualquer pessoa que já precisou recomeçar. Há muito de verdade, de ironia e de ternura nas falas deles. E o público sente isso, porque a comédia é só a porta de entrada para um mergulho emocional.”
Além do casal protagonista, o elenco conta com Vitor Thiré, intérprete do jovem funcionário do hotel. A personagem é um contraponto à experiência dos protagonistas, representando um olhar do presente sobre o passado. “Ele representa o humor do agora diante das glórias do passado”, observa Franco.
A presença do personagem, conectado às redes sociais e à lógica da internet, introduz à trama o contraste entre gerações e formas distintas de lidar com o sucesso. “Apesar da ingenuidade, ele traz leveza e ironia, fazendo o público lembrar que o tempo passa para todos”, complementa Aguiar.

A peça se insere em um momento em que o teatro brasileiro tem revisitado histórias que tratam do envelhecimento e da visibilidade feminina, o que, para Fischer, só reforça a urgência do tema. “Vivemos em um país que ainda tem medo de ver uma mulher de 70 anos vivendo uma história de amor. Essa personagem é uma resposta a isso. Ela é bem-sucedida, independente, e ainda assim carrega a solidão de quem foi julgada o tempo inteiro. Mostrar uma mulher madura se redescobrindo é o que mais me atraiu e o que eu mais quero transmitir para o público.”
O Casal Mais Sexy da América fica em cartaz, a princípio, até o dia 23 de novembro, com sessões de sexta-feira a domingo às 20h (sex. e sáb.) e às 19h (dom.). Os ingressos custam de R$25 (meia, balcão popular) a R$150 (inteira, plateia) e estão disponíveis na bilheteria do teatro, ou no Sympla.
















